quinta-feira, 15 de novembro de 2007

A melancolia também se dança

Para os germânicos que conhecí o fado é absolutamente incompreensível.
Até podem gostar das melodias, das harmonias e do som da guitarra portuguesa, mas as letras e os espírito que veiculam... hummm, não percebem.
Diriam - como é possível alguém simpatizar com a tristeza, arriscando a deixar-se caír nela?
Não só não sabem, como têm medo de se deixar embalar pela melancolia. Fogem do fado como os gatos da água.


Na melancolia o português é como peixe na água. E o fado é exorcismo e catarse, como quem escancara as portas do armário, em público, para olhar os esqueletos de frente, numa abordagem de contra-fogo, ou de contra-fado...

E apesar de não ser fado, mas uma balada do Fausto, é a
Rosie quem me exorcisa e transporta ultimamente:

Eu, Rosie, eu se falasse eu dir-te-ia
Que partout, everywhere, em toda a parte,
A vida égale, idêntica, the same,
É sempre um esforço inútil,
Um voo cego a nada.

Mas dancemos; dancemos
Já que temos
A valsa começada

E o Nada

Deve acabar-se também,

Como todas as coisas.

Tu pensas
Nas vantagens imensas
De um par

Que paga sem falar;

Eu, nauseado e grogue,
Eu penso, vê lá bem,
Em Arles e na orelha de Van Gogh...
E assim entre o que eu penso e o que tu sentes
A ponte que nos une - é estar ausentes.


Dieter Duhm diz que "
Für jede Situation gibt es eine Heilungsmöglichkeit"... eu digo "Ja genau"

segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Quanto custa a felicidade?

A felicidade é um bem altamente inflaccionado no Mundo Ocidental e a culpa não é dos especuladores, como no caso do imobiliário. Aqui a culpa é nossa e só nossa... ou melhor, da nossa eterna insatisfação, ampliada por uma grande "falta de Mundo".

A forma tola como perseguimos a felicidade, em metáfora, é assim:
Um caçador de borboletas de rede na mão, entusiasmado, olhos esbugalhados e sorriso patético, persegue uma à esquerda depois outra à direita e ainda uma outra que surgiu por trás duma moita ao fundo quando, passado um bom bocado, não vislumbrando quaisquer borboletas no horizonte, dá por si e não sabe onde está, perdido pede a Deus por mais borboletas.

A verdade é que temos muito medo de não ser felizes ou que a nossa felicidade seja menor que a do vizinho. A esta fuga paranóica ouvi chamarem a "ansiedade do status", essa doença pós-moderna que aflige todos os que não têm nada realmente importante com que se preocupar.

Mas existem remédios, como estes:


Preocupe-se, ou melhor, ocupe-se como puder porque, no combate à pobreza, a pré-ocupação não adianta nada... além disso, a filantropia também traz felicidade. Duvida? Então experimente.

Mais fotos em: Claras em Castelo (e obrigado pela inspiração, Rosa)

quinta-feira, 8 de novembro de 2007

Outras Três coisas

Este poema Mário Lago chegou-me ao ouvido pela voz (e teclas) de Hermeto Pascoal (in: A Festa dos Deuses)

Três coisas


Três coisas pra mim no mundo
Valem bem mais do que o resto
Pra defender qualquer delas
Eu mostro o quanto que presto
É o gesto, é o grito, é o passo
É o grito, é o passo, é o gesto
O gesto é a voz do proibido
Escrita sem deixar traço
Chama, ordena, empurra, assusta
Vai longe com pouco espaço
É o passo, é o gesto, é o grito
É o gesto, é o grito, é o passo
O passo começa o vôo
Que vai do chão pro infinito
Pra mim que amo estrada aberta
Quem prende o passo é maldito
É o grito, é o passo, é o gesto
É o passo, é o gesto, é o grito
O grito explode o protesto
Se a boca já não dá espaço
Que guarde o que há pra ser dito
É o grito, é o passo, é o gesto
É o gesto, é o grito, é o passo
É o passo, é o gesto, é o grito

Mário Lago (in Matando Neuronas)

Mas o melhor é mesmo ouvir:

Hermeto Pascoal E GrupoTres Coisas

quarta-feira, 7 de novembro de 2007

3 coisas que corrompem mais do que o resto:

Há três coisas no Mundo com uma particular capacidade de nos distorcer a percepção, de nós próprios e do que nos rodeia, a saber:

O Poder - diz o ditado que "o Poder corrompe" e dispensa exemplos concretos;

A Fama - nesta área arrisco dar exemplos: da Elsa Raposo ao Joe Berardo, passando pelas celebridades fugazes dos reality shows, you name it;

O Automóvel - pode parecer inusitado, mas eis a prova:



A verosimilhança desta caricatura é absolutamente maravilhosa... e o remate final com a frase "O princípio do prazer", simplesmente, sublime!

É esta distorção da percepção que faz alguns automobilistas vociferarem calúnias ao engarrafamento que têm pela frente e, simultaneamente, aos apressados que lhes buzinam pelas costas, sem nunca se considerarem parte do problema. O que é compreensivel, já que esta pequena sinapse nervosa desencadearia um curto circuito cerebral de tal ordem, que as consequências poderiam ir muito além do aqui previsto, a 1 minuto e 30 segundos do final:



Na forma como manipulamos e, simultaneamente, somos manipulados por estas três "coisas" encontramos essa cruzada ambígua a que chamámos "o processo civilizacional" - a intenção da humanidade de se conduzir a si própria no sentido da racionalização de todas as relações tensionais e na aniquilação do sofrimento produzido por essas tensões. (n'a sociedade primitiva)


Haja saúde


PS: poderia ter incluído o vil metal na lista das coisas que corrompem, mas será ele uma "coisa" em si mesmo, ou apenas um meio de chegar a elas. O fascínio que ele nos exerce está em si, ou nas "coisas" que ele nos permite ter?