sábado, 5 de janeiro de 2008

O Programa Nacional da Política de Ordenamento do Território (PNPOT)

O sistema de gestão territorial, estabelecido pelo Decreto-Lei 380/99 e alterado pelo Decreto-Lei 316/2007, compreende um conjunto complexo de normas legais, e uma diversidade de agentes com diferentes perspectivas, âmbitos de preocupação e interesses muitas vezes divergentes. O PNPOT enquanto cúpula deste sistema tem inevitavelmente de incorporar um elevado nível de abstracção, envolvendo uma grande margem de incerteza. Assim, um documento com orientações tão vastas, dirigidas a todos os instrumentos de gestão territorial (IGT), adquire uma complexidade tal que a forma de o encarar é decisiva para a leitura que dele se faz.

Encarando-o pela perspectiva do copo meio cheio, é de louvar a elevada qualidade técnica do documento tanto no seu conteúdo quanto na sua forma. A estrutura, clareza e legibilidade do Relatório e Plano de Acção revelam um grande exercício de síntese, muito bem conseguido por parte da equipa.
Em termos operativos o PNPOT dá um contributo importante ao sistema de gestão territorial, e aos seus agentes, nos diferentes níveis de actuação, por enquadrar a perspectiva no conjunto nacional, nas relações internacionais com a Europa e o Mundo, assim como no papel das regiões autónomas e das cinco regiões NUTII. Assim, estabelece o quadro de referência para os demais IGT, quadro esse que se pretende estável e operacional.

De acordo com o regime jurídico dos instrumentos de gestão territorial (RJIGT), o PNPOT orienta a elaboração dos Planos Regionais de Ordenamento do Território (PROT) e estabelece as medidas de coordenação dos Planos Sectoriais (PS) com incidência territorial. Com a publicação do PNPOT amplia-se o domínio do controlo de legalidade dos PS e PROT e, nesse aspecto, confere-se maior segurança aos agentes locais relativamente à previsibilidade das acções do Estado Central e das CCDR.

Congratulo-me por Portugal ter finalmente aprovado o plano de topo da hierarquia do RJIGT, decorridos 8 anos da publicação do DL 380/99 e nove da publicação da Lei de Bases (L 48/98).

Do plano-documento ao processo de planeamento - o copo meio vazio:

A eficácia na prossecução dos objectivos apontados pelo PNPOT depende de uma articulação efectiva dos restantes IGT, particularmente dos Planos Sectoriais, mas também da eficácia e eficiência dos Programas de Acção Territorial (PAT) e do QREN. O próprio Relatório alerta para a “dificuldade de articulação entre os principais agentes institucionais, públicos e privados, responsáveis por políticas e intervenções territoriais”[1] sem contudo apontar formas de combater este problema. Os objectivos específicos a atingir no médio e longo prazo são muitos e ambiciosos tornando difícil descortinar prioridades entre um elenco tão vasto. Enunciar objectivos é sempre mais fácil do que prossegui-los e, neste aspecto esperemos que o PNPOT não tenha a mesma sorte que a Estratégia de Lisboa.

Segundo o RJIGT[2] “o PNPOT estabelece os compromissos do Governo em matéria de medidas legislativas...”. Nesse aspecto, infelizmente, a cúpula do sistema de gestão territorial perde a oportunidade de alertar para um problema que mina as suas próprias fundações, concretamente a Lei de Solos[3] e mais precisamente o tratamento das mais valias urbanísticas.
Na realidade, a prática do planeamento e os IGT encobrem um “mercado de transformação de uso do solo” através do qual a administração pública concede fortunas a alguns proprietários, enquanto agrava a sua incapacidade para regular os preços do solo e compromete a sua própria sustentabilidade financeira. Ora, não é legítimo pedir a um cidadão que, em nome de um “bom ordenamento do território”, recuse uma valorização (que pode chegar aos 20 000%) do seu imóvel rústico, por via de uma reclassificação em sede de PDM. Num contexto em que os cidadãos não são financeiramente indiferentes às decisões da administração pública em matéria de ordenamento do território, não só é impossível criar uma cultura cívica que valorize o ordenamento do território[4], como se perpetua a corrupção endémica ao planeamento e à gestão territorial. Compreende-se assim que o problema do ordenamento do território não está nele no mas no planeamento e na gestão.

Neste aspecto o PNPOT assume uma postura de business as usual quando refere factos consumados e evita abordar as suas causas, mas enfim, é o custo do consenso necessário a um documento deste tipo. Caberá à opinião pública pressionar o Governo e a Assembleia da República para cortarem definitivamente o nó górdio que mina o Ordenamento do Território em Portugal, à semelhança do que está a acontecer actualmente em Espanha.

Por fim caberá ao tempo e aos agentes do Planeamento revelar as questões menos bem resolvidas pelo PNPOT, relembrando que o sistema de gestão territorial é elaborado num ciclo iterativo de orientações em cascata e bottom-up.


Bom trabalho a tod@s. Duarte Sobral





[1] Relatório do PNPOT, Capítulo 2, p 86, 24 Problemas para o Ordenamento do Território

[2] Decreto-Lei 316/2007 – art.º 29º, nº. 3, alínea b).

[3] Decreto-Lei n.º 794/76 de 5 de Novembro, alterado pelo Decreto-Lei n.º 313/80 de 19 de Agosto.

[4] A “ausência de uma cultura cívica valorizadora do ordenamento do território” é apontada no Relatório do PNPOT como um dos 24 problemas para o Ordenamento do Território, p 86.


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